Aqui onde estou são seis e quarenta e sete da manhã. Já acordei, já me estiquei, já chorei, já bebi água, que nunca bebo que chegue, apesar de todos pensarem o contrário porque ando com uma garrafa de quase 2 litros de atrelado para onde quer que vá.
Seis e quarenta e nove, ouço o relógio no seu compasso certeiro, sem parar, sempre sem parar. Na penumbra de uma sala ampla e húmida, respiro, lembro-me deste cemitério de palavras, e regresso a esta campa, depois de muitos anos sem cá pisar. O que procuro, não sei. Sei, mas tenho vergonha de admitir. Limpo as folhas, a terra, os lixos, o passar do tempo... trouxe umas flores, encho o jarrinho de água depois de lhe tirar o pó, e coloco-as aqui.
Seis e cinquenta e três, devia estar a preparar-me para o dia, que vai ser grande e consumidor, que vai exigir muito de mim, tal como todos os outros dias desta semana exigiram. Devia despachar-me, vou arrepender-me destes minutos quando estiver em stress no trânsito, a tentar chegar a horas. Estou constantemente atrasada, evito o "sempre" para não pensar tão mal de mim, para não me consumir com a dissonância cognitiva que é não me orgulhar disto e, ao mesmo tempo, fazer pouco para mudar.
Seis e cinquenta e oito, e ainda não disse o que vim cá dizer, o embaraço toma conta dos dedos e ando aqui à roda, a tentar imitar o Cesário Verde, continuando a tentar imprimir poesia a um dia mundano, que assumo nublado, mas espero estar errada, porque daqui não consigo ver o sol.
Sete e um, agora sim, é hora de partir. Como parti do meu país há 11 anos atrás, neste mesmo dia, com duas malas grandes. Uma cheia de roupa, outra cheia de livros, e um urso de peluche, cor-de-rosa. Parabéns a você, nesta data querida, muitas felicidades... quantos mais anos de vida? Muitos.
Sete e três, 11 anos são muitos anos. E estes em particular, os anos em que deixei de ser menina e passei a ser mulher. Mas há 11 anos atrás já achava que era uma grande mulher... Era uma bebé, com umas ganas de provar a mim própria que não ia ser vencida pelo medo, e que ia voltar quatro meses depois, com umas poupançazitas para pagar o Seminário.
Sete e seis, rio-me. Os meus amigos aqui dizem que não tenho lá muita piada, apesar de ser divertida. Só me posso rir, das expectativas, dos sonhos, do que fui, do que achei, e do que me tornei, porque isto só visto, contado ninguém acredita. Deus fez coisas inescrutáveis, e eu tento não me esquecer de nenhuma, para não cair na ingratidão, especialmente neste dia. Cada minuto é cheio da Sua misericórdia, e eu só me posso sentar aqui a rir por causa da expressão infinita do Seu amor.
Sete e doze, já me estou a esticar. Tenho de ir. Parabéns por mais um ano, tenha tudo de bom, o que a vida contém, tenha muita saúde, e amigos também. Lá isso tenho, lá isso ninguém me pode tirar.