sábado, 27 de dezembro de 2008

Feliz Natal




Deambulo pela casa sem destino aparente. Esta não é a minha, não é o meu ninho aconchegante e de recantos conhecidos, não é o abrigo de refúgios mil. É sim, casa de família, onde tantas vezes partilhei risos e histórias, frio e também calor, a casa em que me reúno com aqueles que vejo poucas vezes por ano, símbolo de reencontro e novas páginas no livro da minha existência.

Por esta hora a festa encaminha-se para o final. Acabou-se o almoço e aquecem-se as últimas doses para o jantar dos mais novos, já que os mais velhos não necessitam de mais sustento para o seu farto estômago. Os resistentes ao vinho e às gasosas conversam à volta da mesa, mantendo quentes as gargantas transbordantes de gargalhadas e opiniões. Os mais cansados aninham-se com uma manta sobre os joelhos nos sofás da sala. As crianças, fascinadas com as altamente tecnológicas prendas, brincam em pequenos grupos espalhados pela casa, elegendo os locais mais quentes e aprazíveis para as suas brincadeiras. As senhoras, sem excepção, já se encarregaram de lavar a enorme quantidade de loiça suja, organizá-la e arrumá-la nos devidos lugares, e improvisam o espaço do jantar num dos cantos da comprida mesa, com os pratos, copos e talheres mais antigos, já que os pequenos não usam de cerimónias desnecessárias, como os crescidos.

Nesta sala, ocupada pela mesa grande e pela família inteira, houve tudo. Houve fartura em tempo de crise, houve consoada e almoço de natal, houve troca de prendas, embrulhos que num momento eram bonitos e noutro já eram retalhos dissolvidos pelo chão, houve abraços e beijos, houve conversas sérias e informais, houve a velha constatação de que “há coisas que nunca mudam”, houve família e houve (como também não podia deixar de ser) saudades daqueles que não se encontram geograficamente próximos, houve paz, houve até alguma embriaguez e excesso, houve frio a entrar pela porta que se abria de quando em vez para mais um de nós ser acolhido nesta festa. Só não houve Jesus. Nem sequer no noticiário, tampouco nas publicidades que inundam a televisão. Apenas num breve rasgo de presença divina, dos lábios da mais pequenina da casa, repetido (aquilo que me parece estar próximo das bíblicas) sete vezes “É Natal. Jesus nasceu”; apenas dessa vez houve Jesus e, mesmo aí, cabeça alguma se virou para escutar tais palavras.

É daí que decido deambular, ainda que aparentemente, revivendo a festa e observando as sobras desta. Dois dias de Natal e cinco minutos de Jesus, escapulidos dos lábios de uma pequenina. Termino o meu passeio no sofá, onde, embalada pelas vozes possantes e envolventes, declino a cabeça sobre o braço almofadado e deixo o espírito escorregar para um sono apetecido. O tom das conversas passa de firme a enevoado, as gargalhadas distanciam-se dos meus ouvidos, tal como as luzes dos candeeiros dos meus olhos. Deixo-me ir nesse balanço bom, com a família a encher a sala e Jesus a encher o peito, esperando que Ele não esteja tão triste como sei que Se sente; esperando o Seu perdão para nós, para mim. (principalmente para mim)

Natal? O meu foi bom. Espero que o vosso tenha sido feliz.

Um beijinho*


P.S. Tirei a fotografia no momento das deambulações, é da cozinha desta casa querida.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Rescaldo do fim-de-semana

Ergo-me do leito depois de uma noite atribulada, feita de madrugadas desfeitas entre afazeres e pálpebras pesadas. O meu corpo está exausto, pedindo calma e sossego aos olhos e aos dedos. O meu espírito, porém, não podia estar mais sereno.

Os últimos dias foram de bênçãos, e bênçãos infinitas. Foram de reviver rostos, de trabalhar afincadamente, de reaprender que o Natal não é o bolo-rei, não são as prendas, não é o bacalhau, não é o pinheiro. Não é o próprio pai natal, não é a super-produção para uma noite de glamour, nem sequer é a família e os amigos sorrindo e trocando amor. O Natal é bem mais transcendente que todas estas coisas. É o cumprimento de uma promessa com muitos séculos de existência, é o nascimento do menino Rei, o genuíno Filho de Deus, a razão da existência da minha fé e da de muitos que ali se reuniram naquele sábado à noite.

Aquele foi o tempo mais saboroso da minha semana. Foi o culminar de vários dias de organização conjunta, de esforços redobrados com um único propósito: reunir jovens em pura adoração. E apesar de haver alguns objectivos que não foram totalmente alcançados, não consigo deixar de sentir que fomos extremamente felizes na realização deste encontro, e que a tendência é para melhorar, sempre mais.

Parte do grupo de louvor

"Eu sou o Natal" (Rio de Mouro)

Coral da Amadora

Sérgio, o senhor delegado regional

Pastor Samuel Quimputo



As fotografias (maravilhosas e esplêndidas) são todas da autoria da Selma.
(eu rendo-me completamente à maneira como ela capta a magia do ambiente)

Espero poder contar convosco no próximo encontro (:

Um beijinho*


domingo, 7 de dezembro de 2008

(a)Casos

Ele cruzava-lhe os passos diariamente. Ela vivia presa a um relacionamento infrutífero. Ele aconchegava-lhe a alma com sons maravilhosamente mirabolantes. O amor dela por um homem desprovido de sensibilidade não cessava. Ele era atencioso, amável, disposto, subtil. Marcante, mas leve, discreto, mas nem tanto, atraente, mas não fazendo parte do estereótipo de beleza máscula. Ela trazia-o no peito como um amigo íntimo e querido, e nada mais. Não conseguia (sentir) mais.

Mau para ele, cujos olhos brilhavam só de pensar nela. Mau para ele, que ansiava pelo términos desse seu namoro fútil. Mau para ele que, por ser tão cavaleiro andante, lhe amparava as quedas, sustentando-as com argumentos de amigo leal. Mau para ele, que se obrigava a amá-la em silêncios sorridentes e cúmplices.

Muito mau mesmo.


quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Música, como viver sem ela? (9)

Mais uma vez, o meu abençoado amigo presenteou-me com uma dos Incognito que eu desconhecia. É ouvir, deixar-se levar e repetir o processo.





Que música saborosa!…



Um beijinho*


terça-feira, 18 de novembro de 2008

E-mails...

Quando o senador Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos da América os meus festejos foram mais contidos que exteriorizados. Não porque não estivesse satisfeita, mas porque toda a gente opinava, ora favoravelmente ora contra, e de um modo deveras frequente. Assim sendo resguardei-me de grandes expressões e mantive-me no papel de observadora dos arbítrios que surgiram de todos os lados. Mas hoje, e como acontece poucas vezes, recebi um e-mail do meu tio Z., que é homem de enviar poucas mensagens de correio electrónico, e que achei por bem partilhar através deste humilde blog (creio que é preferível assim, não sou grande amiga de e-mails correntes…).

Passo a copiá-lo, portanto, e aproveito para me despedir no mesmo instante, porque depois do texto que se segue pouco ou nada fica por dizer.

Um beijinho*

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E se Obama fosse africano?
Por Mia Couto

Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África.

Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos.

Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo.

Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: "E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto.

E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?

1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.

2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.

3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.

4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).

5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.

6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.
Inconclusivas conclusões

Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte.

Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos.

A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa.

Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público.

No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo.

Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia.


Jornal "SAVANA" – 14 de Novembro de 2008

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Coisas de menina

Hoje, nem sei bem porquê, preciso de um abraço. Mas não quero pedi-lo, como é hábito. Preciso daquele abraço que vem sem contar, que é dado pelo querer de um amigo grande, que faz o coração suspirar baixinho e descansar. Hoje estou especialmente mariquinhas, e preciso mesmo de um abraço.




(típica menina... não aguenta umas saudades.)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Mudam-se os tempos.

O Verão passou como um sopro suave e breve, alucinantemente depressa. Um sopro saboroso, morno e apetecível, mas que se dissipa mal se inicia a degustação do seu aprazível paladar. Passou veloz, é bem verdade, mas pejado de histórias incontornáveis. Talvez por isso tenha passado não como um sopro suave e breve, mas como uma rajada intensa e fugaz, alterando, num curto intervalo de tempo, a estabilidade que se afigurava duradoura.

Naturalmente, com a mudança de estação alteraram-se os hábitos. Vestem-se sobretudos aconchegantes, vestem-se mentalidades solidárias (como tão bem convém à época), o alimento esquecido no exterior do seu lugar de conserva já não se estraga com facilidade, a água já não se quer tão fresca como outrora, anseia-se por um passeio à beira mar e não por um banho no seu interior…

Porém nem tudo se modificou com a debandada do Verão. Factos que, à partida, nem tinham uma existência tão promissora, perduraram para além dos dias quentes e exóticos, prolongaram-se por estações suas desconhecidas, contra quaisquer expectativas. É caso para reflectir no que de bom se manteve desse Verão que nos deixou faz uns meses, no que nasceu num Verão como tantos outros e, por razões minhas desconhecidas, se quebrou instantaneamente ou se espraiou pelo tempo e sua implacável passagem.


A mudança em todas as coisas é desejável.
Aristóteles

Será?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O 'querido' ISCTE... (2)

Adoro as janelas da biblioteca da minha faculdade. São, sem exagero, enormes, deixando toda a luz da manhã e da tarde entrarem sem quaisquer obstáculos. E são bonitas assim mesmo, sem pegas e sem cortinas, sem aparatos acessoriamente decorativos. Entre o estudo concentrado, e o devaneio que é vaguear pelos preâmbulos dos manuscritos que me rodeiam, paro para saborear, calma e vagarosamente, as nuvens branquinhas que pintam incoerentemente o céu lá de fora. Paro para ver melhor a maneira como a luz muda, como as árvores se deleitam com a chegada de horas mais fresquinhas, como os prédios correm os estores e acendem as luzes artificiais. Paro para ver esta Lisboa entardecer antes de anoitecer. E tudo isto com vista privilegiada, directamente das janelas do segundo andar da biblioteca da minha faculdade.

-*-

Um dos amigos mais recentes que comigo partilha aulas, teorias duvidosas e músicas infinitas, recordou-me como é bom saborear, (gozar, como ele disse), os poemas do senhor Sérgio Godinho, tão maravilhosos de se ouvirem. Hoje, a letra que vos deixo faz tanto sentido que até arrepia. É gozá-la, e nada mais.


Segundo Andar, Direito – Sérgio Godinho

Ele vinte anos e ela dezoito, e há cinco dias sem trocarem palavra, lembrando as zangas que um só beijo curava…

E esta história começa no instante em que o homem empurra a porta pesada e entra no quarto onde a mulher está deitada, a dormir de um sono ligeiro. E no quarto, às cegas, o escuro abraça-o como que a um companheiro que se conhece pelo tocar e pelo o cheiro, e é o ruído que o chão faz que lhe traz o gosto ao quarto, depois de uma ruptura… Faz-lhe sentir que entre os dois algo ainda dura dos dias em que um beijo bastava. E agora, da cama, vem uma voz que diz, sussurrando:

“És tu?”

E a luz acende-se sobre um braço nu e a mulher pergunta:

“A que vens agora? É que não sei se reparaste na hora!... Deixa dormir quem quer dormir, vai-te embora. Amanhã tenho de ir trabalhar.”

Não fales, que o bebé ainda acorda. Não grites, que o vizinho ainda acorda; e não me olhes, que o amor ainda acorda. Deixa-o dormir, o nosso amor, um bocadinho mais… Deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais.

E o homem, de pé, parece um rapazinho, a ver se compreende, e grita e diz que ele também não se vende, que quer a paz mas de outra maneira e nem que essa noite fosse a derradeira veio afirmar, quer ela queira ou não queira, que os dois ainda têm muito que aprender.

“Se temos?! – diz ela – mas o problema não é só de aprender! É saber a partir daí que fazer.”

E o homem diz:

“Que queres que eu responda? Não estamos no mesmo comprimento de onda? Tu a mandares-me esse sorriso à Gioconda e eu com ar de filme americano… Somos tão novos.” – diz o homem

E agora é a vez de a mulher se impacientar:

“Essa frase já começa a tresandar! É que não é só uma questão de idade… O amor não é o bilhete de identidade! É eu ou tu, seja quem for, ter vontade de mudar e deixar mudar.”

Não fales, que o bebé ainda acorda. Não grites, que o vizinho ainda acorda; e não me olhes, que o amor ainda acorda. Deixa-o dormir, o nosso amor, um bocadinho mais… Deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais.

E assim se ouviu, pela noite fora, os dois amantes falar, e o que não vi só tive que imaginar… É preciso explicar que sou eu o vizinho e à noite vivo neste quarto sozinho, corpo cansado e cabeça em desalinho e o prédio inteiro nos meus ouvidos.

Veio a manhã e diziam:

“Telefona ao teu patrão, diz que hoje não vais, que viveste uns dias assim tão brutais e que precisas de convalescença, sei lá, inventa qualquer coisa, uma doença, mete um atestado ou pede licença, sem prazo nem vencimento, se preciso for…”

(Espero que não seja preciso, porque não sei como é que eles vão viver sem os dois salários…)

Vá fala, que o bebé está acordado. O vizinho deve estar já acordado e o amor, pronto, também está acordado… Mas tem cuidado, trata-o bem, muito bem, de mansinho, que ainda agora vai pisar outro caminho.

-*-

Um beijinho*


sexta-feira, 31 de outubro de 2008

(sem título)



It was fun for a while
There was no way of knowing
Like a dream in the night
Who can say where we’re going

No care in the world
And maybe I’m learning
Why the sea on the tide
It has no way of turning

More than this – Charlie Hunter feat. Norah Jones




Parabéns * (:

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O 'querido' ISCTE...



... tem preenchido demasiado os meus dias.
A ausência, perdoem-ma por favor.


Um beijinho*


P.S. Tirei esta fotografia hoje mesmo. Fresquinha, portanto.

domingo, 19 de outubro de 2008

"Isto é que está aqui uma coisa bonita! Ai está, está!" -.-'

É o primeiro trabalho. É para a cadeira preferida e é simples. É para amanhã e não gosto da maneira como estou a sentir dificuldade em redigi-lo. Não está feito e são quase nove horas da noite.

Começamos bem, sem dúvida.


(resultado da típica equação “desorganização semanal + preguiça de fim-de-semana”)

sábado, 18 de outubro de 2008

"Espera."

É a palavra de ordem. Toda a minha existência tem girado em torno dela, incessantemente. Em todas as etapas desta vida breve, na totalidade das áreas da mesma, é a esse comando que tenho sido chamada a obedecer. Sempre.

Sim, a maioria das vezes só sei ser inconvenientemente desobediente. É a condição humanamente ignorante que domina as horas, com a sua impaciência característica, com a tremenda ilusão de que consegue exercer algum controlo sobre uma pequena réstia de alma.

Mas a ordem é clara, explícita, relevante. Quando impera o cansaço que a ansiedade dá ao corpo, quando o espírito já não pode mais consumir-se de nervoso, obedeço. Recolho o ego para um lugar em que se anule, respiro, e acato. Dissolvem-se as alergias à paciência em breves lágrimas e instaura-se o que os poros do ser mais anseiam: paz.

“Deixo-vos a minha paz.
E a paz que eu dou não é como aquela que o mundo dá.
Por isso, não se aflijam nem tenham receio.”

João 14:27, in O Livro

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Da Sua soberania

Provérbios 3:1-6

" Filho meu, não te esqueças dos meus ensinos, e o teu coração guarde os meus mandamentos; porque eles aumentarão os teus dias e te acrescentarão anos de vida e paz. Não te desamparem a benignidade e a fidelidade; ata-as ao pescoço; escreve-as na tábua do teu coração e acharás graça e boa compreensão diante de Deus e dos homens. Confia no SENHOR de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas. "




Procuro demasiadas respostas em sítios errados. O Certo, porém, persegue-me, cerca-me, invade-me. Então, encontro-me. E às minhas respostas também.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Já dizia a Norah Jones...


When you sail across the ocean waters,
And you reach the other side safely,
Could you smile a little smile for me?
'Cause I'll be thinkin' about you...

terça-feira, 30 de setembro de 2008

À moda antiga

Sempre gostei de cartas. Do sabor que lhes imprimo quando as redijo e do paladar que elas transportam quando as recebo, da magia que as envolve, pelo romantismo que lhes está adjacente, pelo nervoso miudinho que atencede a chegada das mesmas e pela paciência desenvolvida na espera que existe entre enviar e receber uma. Sempre gostei de cartas. Da letra que é cuidadosamente desenhada, da rasura aqui e ali porque o corrector não faz falta entre escritos de amigos, do cheiro do papel que é sempre diferente, da tonalidade da tinta da caneta (que às vezes também falha) e do envelope que confere segurança ao transporte. Sim, sempre gostei de cartas. E quando a distância é quase tão grande como a saudade, quando alberga mais do que aquilo que é suportável, escrevo-as. Maioritariamente para quem me conhece como a palma da mão, ocasionalmente de mim para mim, e ultimamente para leitores que imagino que existam. Escrevo e alivío quase automaticamente.

Por alguma coisa sempre gostei de cartas.


P.S. A fotografia é de antigamente, tirei-a o ano passado. Antigamente escreviam-se cartas com penas.

domingo, 28 de setembro de 2008

Música, como viver sem ela? (8)



E porque há já algum tempo que não me dedicava a partilhar música, hoje deixo-vos com aquela que creio ser a minha preferida, de todas. Pertencente ao grande António Carlos Jobim (ou Tom Jobim) e aqui interpretada pelo não menos grande Caetano Veloso, esta música é a minha de eleição desde tenra idade, do tempo em que ainda nem lhe percebia a letra.
Mais palavras para quê? É deliciar-se com ela.

Um beijinho*

sábado, 27 de setembro de 2008

Justificar-me é escrever frases assim


A fonte de onde costumam jorrar as minhas palavras está a atravessar um período de seca. Há muito para relatar, muito para referênciar e muito para registar, mas palavras a menos para tais tarefas. A fonte que outrora concedia letras combinadas sem quaisquer reservas, agora está somente estática, deitando, ocasionalmente, palavras pingadas a muito custo. Talvez seja das inúmeras vivências que ainda não tiveram tempo de se sedimentar em mim, ou talvez sejam elementos exteriores à fonte, a obstruir a preciosa saída dos vocábulos.


A verdade é que pouco importam as justificações. Faltam-me as palavras para quase tudo e não deviam; preciso demasiado delas.



P.S. A fotografia já é antiga, do tempo em que uma folha branca me fazia comichão até estar carregada de escritos. Tarde de estudos.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Remédio santo

Naquele dia o Anacleto acordou com náuseas. Não havia uma justificação plausível (ou melhor, não estou com vontade de enveredar por esse lado da história), o Anacleto acordara extremamente mal disposto e a única coisa que desejava era a cura para os seus males. A mãe fez-lhe o seu chá milagroso e não resultou. A avó massajou-lhe o couro cabeludo e de nada serviu. O pai sugeriu um remédio-cura-qualquer-maleita que pouco ou nada adiantou. A tia veio visitá-lo (por coincidência, claro está) e o pobre Anacleto permanecia cheio daquele mal-estar que não passava com coisa nenhuma.

Entretanto a Isabelinha continuava a tentar resolver aquele exercício de gramática que a professora de alemão tinha escolhido exclusivamente para ela. Sim, ela sabia que era a aluna preferida; não reconhecer tal facto era tapar o sol com a peneira e, mal por mal, preferia aceitar a revolta do resto da turma concordando com a injustiça de tratamento que a dita professora oferecia. Que culpa tinha ela de ter caído nas boas graças da senhora? Dava voltas e voltas mas não havia maneira de perceber como se resolvia tal exercício. Ela até desconfiava que era matéria adiantada, mas não se atreveu a contestar o brilho dos olhos da professora ao afirmar, perante a turma inteira, assustadoramente convicta, “a Isabelinha faz isto em cinco minutos!”. Naquela folha estava mais que um teste às capacidades da menina Isabelinha, mais que exercícios de gramática deslocados… estava a expectativa toda da senhora professora, posta a prova, em cada espaço para completar.

O Justino já tinha o nome gasto pela governanta da casa. Nunca tinha gostado dela, desde pequenino que ela despertava nele um pavor inexplicável. À medida que os anos foram passando o pavor metamorfoseou-se em rebeldia, aliou-se ao seu feitio traquina e gerou uma rixa que dura até ao momento em que escrevo. O Justino contra a governanta, o primeiro espalhando o caos pelo casarão, a segunda perseguindo-o até à exaustão, sem sinais de fadiga, apesar das inúmeras tentativas falhadas. Hoje, porém, a governanta levou a melhor e apanhou o traquina num momento de despreocupado descanso, após ter desordenado as toalhas e guardanapos do almoço. É certo que este delito era de menor grau, mas a senhora governanta já não apanhava o Justino havia três dias, o que lhe valeu um tratamento que, se aplicado no século XXI, concederia à senhora governanta uma reprimenda pública, uma multa e exclusão social por maus tratos a menores.

Por volta das dezassete horas e vinte e três minutos o Justino conseguiu escapulir-se do castigo para a casa da Isabelinha, onde brincou com ela e a fez esquecer-se da pressão que a professora de alemão exercia sobre ela. Perto da hora do jantar resolveu voltar para casa e pedir desculpa à governanta (em tempo de fome esquecem-se as rixas), não sem antes informar a Isabelinha que o Anacleto estava mais adiantado no que concernia ao alemão. O Anacleto, após terminar de falar com a Isabelinha (ela precisava de uma ajuda naquilo que ele considerou ser um exercício básico!), apercebeu-se de que as náuseas que o tinham acompanhado o dia inteiro se tinham dissolvido com o sopro quente da voz dela a viajar pelo auscultador.

E não pode deixar de se deitar a pensar no poder que o seu doce timbre possuía, que fazia coisas que o chá imbatível da mãe, a massagem perfeita da avó e o remédio-cura-qualquer-maleita do pai não conseguiam.

Um beijinho*

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Um concerto pode ser o bastante...



No dia do encerramento do Avante, a tocar afinados, exímios e com a Big Band do Hot Clube de Portugal (que anteriormente tinha feito as delícias dos amantes do jazz, sendo que eu me incluo neste rol)...

"De Bragança a Lisboa
São 9 Horas de distância
Q'ria ter um avião
P'ra lá ir mais a miúda
Dei cabo da tolerância
Rebentei com três radares
Só para te ter mais perto
Só para tu te dares
E saio Agora!
E vou correndo!
E vou-me embora!
E vou correndo!
Já não demora!
E vou correndo p'ra ti...Maria!!"


Tive mesmo, mas mesmo, de me render. E eu nem era grande fã!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

“Não há quem vos entenda! (risos)” (*)


Foi o cabo dos trabalhos para me fazer parar de falar em ir estudar para fora. O ímpeto característico desta idade de querer sair do ninho, da zona de conforto, e abdicar do comodismo que me é tão querido para viver e estudar mais longe fazia sentir-se como um espirro ou uma comichão… era imperativo ceder ao dito cujo.

A matriarca já não sabia a que técnicas recorrer para cessar tais conversas, tais intentos. Dizia, e dizia bem, que não sabia a sorte que teria se ficasse a estudar perto de casa. Eu nem pensava na sorte, só sentia aquele formigueiro leve de querer muito conhecer verdadeiramente um lugar novo. E no meio de arrumações, organizações e coisas que tais, o meu irmão entrou no quarto devagar, como quem não quer entrar realmente, e perguntou a medo:

“Então, estás a preparar-te para a faculdade?”
“Sim, estou a ver se arranjo espaço para os livros que vêm aí…”
“Pois… mas vais-te embora?... Vais ter de levar tudo contigo não é?”

Como sempre, os olhos dele diziam mais do que as palavras que proferiu. Estava verdadeiramente incomodado com aquela hipótese, ainda que remota, de poder ter de empacotar tudo e deixar a minha cama vazia por uns anos. Abateu-se sobre ele a consciência de que as nossas conversas, as nossas risadas, as nossas zangas e discussões ficariam confinadas ao telefone, ao e-mail, às cartas (se ele tivesse paciência para me responder) e ao fim-de-semana. E os olhos dele, quase (quase) marejados, contrastavam com as palavras que pareceram consumar factos que ainda estão por se decidir.

O coração apertou-se todo e suspirou para dentro. Ir-me embora? Levar tudo comigo? Nem existe uma justificação lógica para tal, mas uma saudade, em jeito de epifania, fez-se sentir logo ali, ao ouvir os olhos do meu irmão.

“Não! Eu provavelmente entro aqui em Lisboa, não te preocupes…”, respondi descontraidamente, e sorri.

Desapareceram os formigueiros todos de querer sair da toca.
Não há nada como a nossa casa, nem há nada como os olhos de um irmão para nos lembrarem disso. Foi remédio santo, mamã.



P.S. Tirei a fotografia em Santa Justa, e pedi aos meus irmãos que exagerassem o que sentiam. Assim o fizeram.


(*) Palavras da minha mãe após lhe ter explicado o porquê de já não querer sair da área metropolitana de Lisboa.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Esta madrugada escrevi assim (4)


A guitarra sussurra-me um fado novo e apetitoso. Acompanha a voz que suspira num tom cúmplice “eu não sei falar de amor” *. Os ouvidos, acariciados pela melodia, engraçam com a frase e esticam-se para melhor absorver a restante letra. Entretanto, já o coração viajou para perto de ti; já começa o organismo a dividir-se em funções múltiplas, as mãos que querem traduzir tudo, os ouvidos que querem beber a letra da música bonita e o coração que quer pular até ao teu encontro.

O rebuliço, portanto.

“Às vezes até parece injusto”, escreveste (acerca das saudades que a distância encomendou), em jeito de remate (porque a conversa acelerava a chegada dessa encomenda incómoda). Concordei plenamente mas não me atrevi a dizê-lo. Mudámos de assunto subtilmente, como já é hábito quando se torna insuportável permanecer batendo na mesma tecla.

Far-se-á justiça no reencontro (ainda que ele não tenha data marcada)
E, contra factos, não há argumentos.



* “Ó vizinho, então adeus!
Vou cuidar de sonhos meus...
que eu não sei falar de amor…”





P.S. A fotografia, tirei-a nos Jardins do Palácio de Cristal , em Massarelos.

sábado, 30 de agosto de 2008

Voltei (2)

Caro leitor e/ou cara leitora:

Boa noite. Regresso aos moldes pessoais e directos dada a extrema necessidade que sinto em justificar esta ausência, típica dos meses em que todos andam feriando. O meu caso não é excepção. O tempo de lazer é ocupado com inúmeras actividades, já é sabido, e a escrita é, obviamente, uma delas. Porém, durante estes meses, tem-se mantido confinada ao caderno de capa preta, permanecendo distante de teclas e ecrãs.

Espero sinceramente que as suas férias tenham sido merecidamente aproveitadas até ao limite; não existe tempo mais propício a descobertas e mudanças do que este, em que tudo é descanso, relaxe e descontracção, pelo menos para quem faz parte do grupo dos felizardos que ainda podem gozar as ditas férias. Espero também que esteja de energias (ou baterias) recarregadas para os novos desafios que se avizinham. (frise-se o facto de estar a escrever baseada em meras suposições)

Queria poder dizer que voltarei a escrever aqui de forma minimamente regular, mantendo os moldes dos textos a que quem me visita já se habitou, mas não posso afirmar tal coisa. O facto é que as mudanças na maneira como me exprimo por escrito têm sido consideráveis, por vezes incoerentes e também significativas. Releio certas linhas que surgiram recentemente e reconheço partes de mim que julgava enterradas num passado distante, mas não tanto quanto se possa pensar. Descubro facetas antigas aliadas a facetas novas, que se revelam não apenas no campo das palavras.

Bem, o que quero eu dizer ao/à caro leitor/cara leitora com todas estas linhas? A resposta é sensaborona: nada de especial. Estava apenas com vontade de reiniciar o blog dirigindo-me a quem ainda tem paciência para reler estes míseros escritos. Um grande bem-haja, um muito obrigada por isso.


(e um beijinho*)


segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Ser feliz...

... é tudo isto que carrego no peito e não sei traduzir em palavras. Ter tudo, não merecer nada e sorrir como se amanhã o sol não nascesse. É sentir bênçãos infinitas derramadas sobre a minha existência, mesmo nas ditas coisas menos boas.

É este estado de alma, caído do céu, incomparável.



P.S. A fotografia é da minha Leguminosa favorita.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Mês sétimo, trigésimo primeiro dia


Ela esperava. O toque-toque das unhas no corrimão da escada, o passo impaciente naquele metro quadrado, o coração incomodamente palpitante, incessante. Esperava por essa promessa que havia de cumprir-se, a sua chegada, e tremia ao barulho da aproximação de mais um comboio… quem sabe se ele não estaria ali…

Ela esperava. Decidiu largar aquele metro quadrado e avançar por mais uns quantos. Afinal de contas, a praça era bem larga e não estava apinhada de transeuntes como é habitual. Avançou e recuou. Sempre demarcando bem o espaço, alargando a área percorrida, apesar de continuar a delimitá-la com os seus passos. Enquanto esperava apercebeu-se de que fazia parte da visão de um outro homem, talvez também esperando por alguma coisa, que lhe sorria como que dizendo-lhe “podemos enfrentar essa espera juntos”… ela continuava à esperar, junto ao corrimão da escada, sem auxílios humanos exteriores. Esperando, apenas.

Ela esperava, sabendo exactamente, dos doze lances de escada existentes, quais seriam aqueles que ele ia descer. Não sabia como mas sabia-o irrevogavelmente. Esperava continuamente, mais um comboio, mais uma ausência. Durante aquela espera, e quando era possível serenar o peito, ela lembrava todas as situações, palavras, angústias, partilhas, gargalhadas que haviam vivido a dois. E não era capaz de conter o receio grande de que tudo não passasse de uma história virtual, impossível de se materializar. Receava-o, mas esperava. No momento em que ele chegasse ou se dissipavam os medos ou os mesmos se instalavam de malas e bagagens. Só podia esperar, então continuava a fazê-lo.

Ela esperava por esse sonoro ruído que é a fricção entre as rodas do dito comboio, onde ele chegaria, e os carris, e esperava com impaciência. O seu rosto, porém, era calmaria e riso. E todo aquele tempo, símbolo de uma espera tão maior que aqueles minutos, símbolo de uma espera forçosamente paciente, uma espera certa, resoluta, que se eliminaria com a chegada do outro ser. Ela esperava por isso mesmo, por saber que assim era certo e por saber que a seu tempo ele chegaria e ficaria.

Esse sonoro ruído que é a fricção entre as rodas do dito comboio, onde ele chegaria, e os carris fez-se ouvir, finalmente. Pelos doze lances de escadaria distintos desceram inúmeras pessoas. Ele, porém, desceu pelo lance previsto e foi ao encontro dela. E naquele espaço que não é abraço nem é distância, os seus olhos disseram tudo, tão carregados da ânsia que tinham em viver aquele momento. Nesse espaço em que tudo se concretiza os lábios nada disseram nem nada fizeram. Apenas gritaram os olhos brilhantes todas as coisas que já se sabiam. Dissiparam-se, instantaneamente, os receios, e houve toque, houve fôlego, houve um beijo colocado na testa, com os olhos gritantes fechados.

Ela tinha deixado de esperar. Era tempo, era o momento. Esperar vale sempre a pena.



P.S. Um destes dias de Verão, depois da praia matinal, a prima Cristiana adormeceu à janela. Tive mesmo de fotografar.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Querida Piek,


Obrigada por me teres oferecido este lenço. Mal sabíamos, tu e eu, as reviravoltas que ele ia viver depois de mo dares. O dito cujo já tem tantas histórias para contar. Não fosses tu insistir, naquele dia, para que ficasse com ele, e o lenço não teria feito metade das viagens que fez, nem simbolizaria metade das coisas que agora simboliza.

Agradeço-te, querida Piek, de coração. O lenço que era teu passou a ser meu e agora faz parte de um “nós”. Referimo-nos a ele como sendo “o nosso”; é tão bom saborear este plural delicioso.




P.S. A fotografia é da prima Ana Carolina.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Já diziam os Pontos Negros (2)




E o coração bate com o sangue de outra pessoa,
E o coração bate com o sangue de outra pessooooa...



P.S. A Beatriz fez o desenho, eu tratei de fotografá-lo. Combina-se a Noite de Gala com o ketchup e dá nisto.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Voltei



A porta do carro fechou-se após a minha entrada, a chave rodou na ignição e a partida tomou o lugar da perfeição daquele tempo. Parti dali, regressei a casa. Entre sonos curtos e músicas que já conhecia desde a infância, os sorrisos que há tanto tempo não via, as vozes que há muito não ouvia, marcavam a sua presença em meu redor, como um longo cobertor feito de amor. Partia dali, regressava a casa. Lá fora, as relvas corriam contra o vento, as nuvens balançavam-se pelo tempo, as ventoinhas gigantes giravam preguiçosamente. Lá fora, o sol a brilhar não se cansava de me beijar a pele, de a escurecer mais um pouco.

Durante essa viagem iniciei a arrumação de todos os sentires acumulados em duas semanas molhadas de bênçãos. E organizava tudo metodicamente, a primeira semana, a segunda semana. Pensava eu ser capaz de tal tarefa depois de ter começado a partir e a regressar a casa. Mas não me foi possível, como já era esperado. Foram tantos sentimentos, tantas lágrimas carregadas de emoções díspares, foram tantos olhos a jorrar amor, tantos abraços, tanto de Deus… que comum ser humano poderia organizar tudo de forma tão metódica e certeira?... Não eu, de certeza. Naquele carro o meu peito ficava cada vez mais cheio de tudo o que tinha vivido. De como Ele se mostrou sempre tão presente em todas as fases, de como Ele foi a mão que encaminhou tudo, que nos guardou de tudo, que tocou em tantos corações. O meu peito inchava do calor Dele, que emanava segurança em tempos de incerteza, que transbordava de esperança para aqueles que outrora não viam mais que a morte. Toda eu, insuflada por um sentimento tão maior que o universo que nem sequer o consigo traduzir em letras combinadas, formando palavras belas.

Partia, regressava a casa. E comigo trazia os campistas de quem tomei conta, os conselheiros com quem partilhei dias, noites, risadas, orações, mãos, corações, tudo. Comigo trazia as memórias boas e as memórias menos boas, as primeiras pintavam os dias, as segundas faziam aprender mais. Comigo trouxe as diferenças de dois acampamentos, ao nível da idade, das pessoas, dos trabalhos, das dificuldades. Comigo sempre está aquele que une todas estas pontas desiguais. Deus. Sim, é Ele que reina, e faz do acampamento um lugar de reconhecimento, de transição, de crescimento, de bênçãos infinitas, de esforço, de lazer, de perfeição. Faço uma breve pausa para recuperar o fôlego, tenho o coração tão cheio, já tinha dito, não é?

Naquela viagem serena e de regresso tudo se consolidou num grande bloco de amor eterno, essa Rocha que nos sustenta a cada dia. Cheguei a casa. E em mim vinham todas estas coisas e mais uma. Vinhas tu. Foste, simultaneamente, o primeiro e o último a entrar em mim. E agora que estás aqui incrustado, não há como fazer o coração parar de pulsar muito rapidamente, não há como abater todas as certezas de que sou feita neste momento. É tão certo como ar que eu respiro. É tão certo como amanhã que se levanta. É tão certo que a Sua mão faz o impossível até sempre. É tudo tão certo.

Voltei.

P.S. Tireia a fotografia à casa que foi minha e de muitas. O Faroeste.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Hasta pronto ! (:

Caro leitor e/ou cara leitora:


Wendy e Mirza vêm por este meio despedir-se de vossas excelências e salvaguardar o seu regresso dentro de duas semanas. Estarão neste maravilhoso lugar em trabalhos, aprendizagens e crescimento constantes.


Um bem-haja, um até mais logo, e um beijinho*

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Música, como viver sem ela? (7)

Hoje só me apetecia ouvir esta. Dispensa quaisquer apresentações.



É como diz o autor do vídeo. Enjoy.

terça-feira, 8 de julho de 2008

A derrota é como uma lente, ou como uns óculos graduados à medida...



Ouço o silêncio a rodear-me. Só o ramram da ventoinha e as teclas nos dedos é que ainda não pararam de se fazer ouvir. Sim, também o vento nas folhas e o canto nos pássaros se mantém audível, maravilhosamente audível. Mas aqui, sentada nesta cadeira com a luz da manhã, quase tarde, a entrar pela sala inteira, o silêncio rodeia-me, como um abraço longo, dizendo-me que oiça. Simplesmente.

Coloco-me, portanto, à escuta. A campainha. Não vou abrir. O autocarro. Não o vou apanhar. Vozes que ecoam no meu crânio, que falam de amor, de amigos, de planos, de sentidos, de direcções, de decisões, de ainda mais amor, falam, nunca se calam. Por enquanto, não lhes presto atenção. O silêncio continua instaurado, incita ao ouvido mais apurado. Então, escuto mais; ouço A voz.

(suspiro)

É A voz que me diz que nada do que eu penso estar correcto está correcto (quanta redundância), que me informa que mais vale deixar de lutar pelas minhas vontades e pressupostos alvos porque, a não ser que também Ele queira, nada se concretizará. É A voz, dizendo sempre o mesmo que eu nunca aprendo. Que a derrota é como uma lente, ou como uns óculos graduados à medida, que corrige a miopia dos meus planos pequenos e me faz olhar para cima, para novos horizontes, novos caminhos, novas pontes. É a derrota que me fecha a janela que eu queria trepar a todo o custo e abre a passagem secreta, que por acaso também é uma porta, para que eu vá pelo meu caminho. É verdade, disse-mo O que tudo sabe. Que esta derrota serve para apreender o verdadeiro preço, e para aprender a ver o verdadeiro alvo. E que, mais que tudo, ela alberga uma vitória, mesmo quando disso não se espera.

Os passos no corredor quebraram o abraço do silêncio, ou talvez ele próprio mostrou vontade de retirar de mim os seus braços, do seu abraço. Volto a ouvir o mundo inteiro, e apenas um pouquinho de silêncio, o suficiente para não me esquecer do que aprendi nele. Nessa derrota começou uma nova luta, que não se trava, com certeza, sentada impavidamente serena, numa cadeira.



P.S. Tirei a fotografia numa bela manhã de praia. Gosto tanto de olhar o céu assim, azul até ao fim, pintado de nuvens brancas.

domingo, 6 de julho de 2008

Estou na adolescência e nem sabia -.-'

Subitamente, é tudo coração. É tudo bombeamento sanguíneo, é tudo ritmo acelerado, tudo são faces afogueadas pelas lembranças assertivas, é tudo este estar incessantemente inquietante. De repente, o que antes era calmaria agora é tempestade, o que era certeza agora é novidade e a questão pertinente “porque não” é dúvida mais que constante.

E, inusitadamente, um mal-estar que afinal é nervoso instala-se no peito, munido de armas e bagagens, pronto para ficar. Era suposto sentir êxtase, sentir vida em mim, sentir um qualquer preenchimento que nem sei definir. Mas não. Sinto apenas o pânico de existir quem seja capaz de me destituir de uma boa parte de mim: do meu domínio, da minha (pseudo) segurança.

Nunca gostei, e continuo a não gostar, de me encontrar exposta. E não há posição mais vulnerável que esta em que me encontro. Aquela em que o que sinto toma contornos e o que tu sentes é uma nuvem muito, muito indistinta.

sábado, 5 de julho de 2008

Esta madrugada escrevi assim (3)


Parece que voltarei a passar muitas mais madrugadas a escrever assim. Porque, se continuas a insistir em permanecer aqui, sussurrando-me ao ouvido pensamentos distantes, implorando que de ti não me esqueça quando estou prestes a fazê-lo, relembrando o teu saborosamente contagiante riso… vou ter mesmo de (re)descrever sentimentos mal enterrados, passados que se queriam distantemente remotos e estados de alma deveras peculiares, aos quais já não me encontrava habituada.

(suspiro)

Parece que o coração quer dar um pulo ansioso para fora do peito.



P.S. Eu sei que não é do teu conhecimento, mas a fotografia está cortada e é desta Leguminosa.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

“De cada vez que a tremura desata o desejo (…)”

Viajei num barco a vapor de antigamente, com o cetim do chapéu balouçando ao vento, despreocupadamente. Senti, nesta minha face, o sabor salgado desse sopro longínquo que ninguém sabe de onde vem nem para onde vai; senti-o, reconfortando-me o peito, afagando-me o espírito com a sua mão salgadamente doce. Não olhei para os acenos que me largavam os dois transeuntes presentes naquela partida, nem sequer lhes acenei de volta. O sol beijava as minhas pálpebras tão insistentemente que tive mesmo de apreciar aquele instante como se nunca mais se voltasse a repetir (e será que voltaria?). Aquela insistência solarenga não era, de todo, agressiva. Era como quando uma criança pede atenção, puxando a orla do vestido ou da camisa, com o seu sorriso irremediavelmente convidativo convencendo mais que os seus inocentes e insistentes puxões. Era uma chamada solar quase infantil, ajudada não pelo sorriso que a caracterizava, mas pelas belas cores que o sol vestia quando se queria pôr; ficava ainda mais radiante no momento da despedida… sempre tão agridoce. A música das ondas rebentando no barco enchia os meus ouvidos, os meus poros, todo o meu ser que tentava a custo servir-se desse corrimão para não cair. Essa música que há tanto tempo não me aconchegava os tímpanos tocava agora, ruidosa, infindável, saborosamente infinita. As ondas não cessavam de entoar, a cinco vozes, as minhas odes predilectas: as delas mesmas. Iam cantando, sempre, para me protegerem o pensamento da consciência da dolorosa despedida, da dor provocada pelo corte assertivo da saudade, essa que nasce sempre em qualquer partida, até na de um barco a vapor de antigamente.

Viajei para fora desse barco, debrucei-me sobre o corrimão, caí nas cantadeiras ondas, movimentei-me em direcção à costa já longínqua, alcancei uma corda largada nesse porto tão grande, subi para terra, sã e salva por mim mesma
(julgava eu, egocentricamente ignorante), e abracei o ar que se respirava nesse lugar que não queria deixar. Dilacerei a dor da saudade, fi-la desvanecer toda num só instante. Tinha regressado. Apenas em pensamento, é certo. Apenas na minha fértil imaginação, claro está. Não teria, nunca, coragem suficiente para me entregar às ondas cantantes para não mais ter saudades mortíferas em mim.

(Seria?)

Ao som de:

quinta-feira, 26 de junho de 2008

quarta-feira, 25 de junho de 2008

"Eu sou o pumba, mas na versão magra e pequena!"


Todos os dias se querem como este. De sol, de quente, de risos. De habitações recém (e amorosamente) decoradas, de alimentos ricamente cozinhados, de frutas frescas, de corridas e de pausas para respirar, de choque social (através de piquinhices, como sentar-se no chão de uma estação), de bilhetes, de euros que nem são meus nem são teus, de pés descalços e fotografias apressadamente maravilhosas, de árvores, da sujidade de um gelado instantaneamente derretido. De músicas inusitadas em salas erradas, de gargalhadas constantes, e partilhas também. De auxilio mutuamente presente, de confiança plena, de gratidão pelas existências partilhadas. Todos os dias se querem assim, como o de hoje.

-*-
“Ajudaste-me. Agora somos amigos para sempre. Podes guardar-me na caixa das cartas”. Estas frases, ditas por uns quaisquer desenhos animados que estavam a ser transmitidos aquando do meu jantar, chamaram a minha atenção. Identifiquei-me com as ditas cujas; por muito esquisito que soe. Pois sim, também eu conheci pessoas que me ajudaram (e não só naquilo em que eu precisava, mas também naquilo em que eu pensava não precisar de ajuda), e fizeram-no despreocupadamente, sem questionar o retorno. E sim, essas pessoas que assim ajudaram não se ficaram por aí, partilharam também as gargalhadas altissonantes que teimo em soltar. E, evidentemente, permaneceram em mim para sempre, amigos. Guardei-os na caixa das cartas? Não literalmente, como nos desenhos animados, em que o amigo que proferia a frase se transformava numa carta, dessas de um baralho, e podia ser gentilmente armazenado com os outros. Mas guardei as suas cartas numa caixa com esse propósito exclusivo, assim como algumas que lhes escrevi. (É verdade, na era do e-mail ainda há quem escreva cartas). Equivalem estes actos a guardá-los na caixa das cartas? Numa tentativa de realçar a metáfora, creio que sim.


Um beijinho*



P.S. Um dos muitos cliques de hoje, na Gar do Oriente. Um dos preferidos.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Hoje acordei assim...

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernano Pessoa - Liberdade



... com o senhor Fernando a traduzir-me em cinco estrofes.

Um beijinho*

P.S. A fotografia é de ontem, do aniversário da mamã. Acompanham-me o primo Afonso e a prima Ana Carolina.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

O de matemática...

... também já está feito.

Ou seja, posso finalmente dizer que ACABEI o décimo segundo ano de escolaridade.
O que também significa que estou FINALMENTE de férias.

(E cada uma destas frases é dita com um grande, grande sorriso.)

Realmente, estes exames estão carregados de importância. São essas benditas folhas, as da prova e as da resolução, que determinam o nosso futuro académico a partir do momento em que as entregamos. São-nos dadas duas a três horas para provar que merecemos fazer parte da instituição que é o ensino superior, para mostrar que somamos o número de valores suficientes para ingressarmos nessa montanha russa que é o mercado de trabalho (e, mesmo assim, o facto de não implica que, como dizia o outro).

É a vida profissional do examinando numas míseras folhas de papel, viajando país fora, trocada entre escolas e classificada por professores que nunca vimos. Esperemos ansiosamente (ou não!) pelo sétimo dia do mês sete e, aí sim!, veremos os derradeiros resultados de toda esta odisseia.

E agora (porque agora posso, finalmente, dizê-lo): FÉRIAS!

Um beijinho*

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Música, como viver sem ela? (6)



Yael Naim – Paris


Não percebo patavina de hebraico, mas esta música faz-me levitar.

Um beijinho*

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Há dias assim .


Era dia onze e presenciava-se o fim da tarde, o sol despedia-se suave e alaranjadamente. Ao longe, uma multidão. Cada um que por ali passasse sentia-se tremendamente atraído pela curiosidade e reunia-se aos que já lá estavam. O número de pessoas que se preparavam para assistir ao espectáculo multiplicava-se e fazia-se ouvir convidativamente. Os vestidos das meninas e senhoras esvoaçavam timidamente, os chapéus dos senhores ora eram mantidos na cabeça, ora eram descansados por debaixo do seu braço, costumadamente encasacado. Não havia melhor altura para se viajar até antigas épocas do que esta, tão tradicionalmente favorita desta cidade.

Eles, porém, não se chegaram à multidão, não atenderam ao seu convite. Permaneceram no cume do mais alto monte, verde e radiante, de unidas mãos. Não eram apenas as mãos que se uniam, mas também os olhos, numa conjugação de empatias tal, visível a olho nu. E não só os olhos, mas todos os outros sentidos, pelos mesmos inebriantes cheiros, o mesmo burburinho agradável, os mesmos afinados acordes, o mesmo sabor tão sabido desse que é o algodão doce. Ainda, mais que os unidos sentidos, também estavam agregados os seus corações. Com os movimentos do miocárdio sincronizados, com o mesmo ritmo de sangue bombeado, ruborizando ambas as faces na mesma medida. Tudo neles era mútuo.

E nos cérebros, os neurónios associavam esforços para construírem as mais bonitas confissões de amor, nunca antes vistas, nunca antes ditas, nunca por ninguém partilhadas, únicas como só os seus ensejos eram. E quando, mutuamente, se voltaram um para o outro, e os olhos até então unidos na mesma visão se encontraram, deixaram-se repousar no outro par que os fitava, deliciando-se, não só, com as declarações que daqueles globos oculares saiam, mas também com a eternidade que eles reflectiam. E eis que, dos olhos dele, cai uma grossa gota de água, uma lágrima contidamente carregada de expressões e carícias e beijos e singela honestidade. Cai, e caminharia pela sua face, não fosse a mão dela evitar-lhe a queda, colhendo-a e guardando-a nos seus poros.

Lá em baixo, a multidão deixava-se levar pelos instrumentistas presentes no palco, que a conduziam a lugares maravilhosos e inesperados. Tal e qual como os teus olhos me conduzem a mim.



P.S. Tirei-a a caminho de onde já se sabe.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O de biologia...

... também já está feito.

(Nunca tinha dormido tão pouco por causa de um exame. Nunca me tinha custado tanto fazer um.)

Falta apenas um. Venha ele, e depressa.

(Agora só quero as minhas férias)

terça-feira, 17 de junho de 2008

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Preciso de umas férias



Era uma viagem rapidíssima para Água de Madeiros, por favor (!)
(Tirei esta no XXVI Congresso da Juventude)

sábado, 14 de junho de 2008

Ainda do dia de ontem



Escrito no limiar do final de um dia e princípio de outro:

Sento-me no chão do quarto enquanto os Reis da Conveniência sussurram doçuras, acompanhados por um simples par de guitarras acústicas. A luz não é indicada para escrever, mas não me atrevo a accionar o principal foco; o quarto é partilhado e a outra menina já se encontra quase adormecida.

Revivo o dia. Não fiz nada de relevante a nível académico, como era o meu dever. Antes vivi de perto essa realidade que é a morte de alguém que nos é querido. Foi um dia de repensar a vida, o seu valor, o modo como deve ser sentida. Como dizem os ingleses “colocar as coisas em perspectiva” é um exercício assustadoramente clarificador. Foi um dia de sofrer com os que sofrem, encontrar alento nas palavras do Pai, verificar que a Sua vontade é constantemente perfeita. Aprender que não há que temer algo que Ele já extinguiu; viver de acordo com isso. (é tão fácil escrever clichés. Mais difícil, mas melhor, é vivê-los).

Quão grande é a ironia das vivências; o adormecimento de uns é o despertar de outros. E se hoje a minha querida, doce e gentil tia G. adormeceu para acordar noutra vida, eu despertei para o adormecer fulminante desta fugaz passagem... a saudade já se faz sentir, embora saiba que amanhã vou agir de forma emocionalmente torpe, dedicando-me exclusivamente às intelectualidades. Hoje, porém, permito-me deambular pelas saborosas memórias que ela deixou em cada um de nós; permito-me atender à efemeridade que alberga todo o ser vivente. Hoje mantenho um registo em que a dor e o louvor se coadunam, justificando este estado de espírito.

(Ainda) vivo neste corpo. Obrigada a Ti por isso.

-*-

P.S. Tirei as fotografias em casa da tia G. São a sua máquina de costura e os seus botões. Algumas das suas imagens de marca.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Das lágrimas

Hoje os olhos doem de terem vertido tantas lágrimas.
E o coração também dói, exactamente pela mesma razão.


A morte é demasiadamente dolorosa, para quem fica.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Dos osculos

O primeiro beijo a cair é sempre acidental. Cai como quem não quer a coisa, passa de uma boca para outra numa fracção subtil do dito segundo. Depois desse acidentalmente primeiro caem outros, tão mais certeiros, mais intencionais, mais representativos e carregados de sentidos. Caem esses doces beijos como quem quer todas as coisas, passam de uma mesma boca para outra mesma boca, espraiando-se no tempo, no espaço, na metafísica do abraço que o assiste.

Não há como entender quem com eles se aborrece, quem se irrita com tão amorosamente delicados beijos, mesmo que estes não caiam na sua boca, nem primeiro, nem depois. Esses beijos caídos por onde quer que se vá, desde de que respeitem a condição pura e verdadeira dos autênticos beijos, encerram uma magia terna, eterna. E essa não cai nunca. Paira e levita em redor dos que, primeiro ou depois, partilharam essa queda beijoqueira, e de quem se deixa aconchegar pelo abraço saboroso que ela (a magia) traz.



(Eu no fundo, no fundo, sou uma grandessíssima lamechas. Que sina esta!)

domingo, 8 de junho de 2008

Música, como viver sem ela? (5)

Descobri o CD da Nichole Nordeman através do amigo J. , que mo recomendou vivamente. Como em vários álbuns, gostei mais de umas músicas que doutras. Esta, porém, prendeu-me por completo. As justificações para tal são imensas, mas creio que bastará afirmar que a melodia que o poema encerra me traduz por completo. Identifico-me com cada palavra, cada imagem, cada metáfora por ela utilizada. O dom de traduzir de forma tão fiel aquilo que nos recheia o espírito é realmente incrível. Passo a copiar a letra e o respectivo vídeo; é sempre tão delicioso partilhar aquilo de que mais gostamos.


Every evening sky, an invitation
To trace the patterned stars
And early in July, a celebration
For freedom that is ours
And I notice You
In children’s games
In those who watch them from the shade
Every drop of sun is full of fun and wonder
You are Summer.

And even when the trees have just surrendered
To the harvest time
Forfeiting their leaves in late September
And sending us inside
Still I notice You when change begins
And I am braced for colder winds
I will offer thanks for what has been and what’s to come
You are Autumn.

And everything in time and under heaven
Finally falls asleep
Wrapped in blankets white, all creation
Shivers underneath
And still I notice You
When branches crack
And in my breath on frosted glass
Even now in death, You open doors for life to enter
You are Winter.

And everything that’s new has bravely surfaced
Teaching us to breathe
What was frozen through is newly purposed
Turning all things green
So it is with You
And how You make me new
With every season’s change
And so it will be
As You are re-creating me
Summer, Autumn, Winter, Spring.

Every Season. Nichole Nordeman



Um beijinho (e bom resto de fim de semana)*