sábado, 14 de junho de 2008

Ainda do dia de ontem



Escrito no limiar do final de um dia e princípio de outro:

Sento-me no chão do quarto enquanto os Reis da Conveniência sussurram doçuras, acompanhados por um simples par de guitarras acústicas. A luz não é indicada para escrever, mas não me atrevo a accionar o principal foco; o quarto é partilhado e a outra menina já se encontra quase adormecida.

Revivo o dia. Não fiz nada de relevante a nível académico, como era o meu dever. Antes vivi de perto essa realidade que é a morte de alguém que nos é querido. Foi um dia de repensar a vida, o seu valor, o modo como deve ser sentida. Como dizem os ingleses “colocar as coisas em perspectiva” é um exercício assustadoramente clarificador. Foi um dia de sofrer com os que sofrem, encontrar alento nas palavras do Pai, verificar que a Sua vontade é constantemente perfeita. Aprender que não há que temer algo que Ele já extinguiu; viver de acordo com isso. (é tão fácil escrever clichés. Mais difícil, mas melhor, é vivê-los).

Quão grande é a ironia das vivências; o adormecimento de uns é o despertar de outros. E se hoje a minha querida, doce e gentil tia G. adormeceu para acordar noutra vida, eu despertei para o adormecer fulminante desta fugaz passagem... a saudade já se faz sentir, embora saiba que amanhã vou agir de forma emocionalmente torpe, dedicando-me exclusivamente às intelectualidades. Hoje, porém, permito-me deambular pelas saborosas memórias que ela deixou em cada um de nós; permito-me atender à efemeridade que alberga todo o ser vivente. Hoje mantenho um registo em que a dor e o louvor se coadunam, justificando este estado de espírito.

(Ainda) vivo neste corpo. Obrigada a Ti por isso.

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P.S. Tirei as fotografias em casa da tia G. São a sua máquina de costura e os seus botões. Algumas das suas imagens de marca.

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