terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Velhinhos

É canja ser apaixonada pelo senhor Fernando e a dona Chiquinha, pela Dona Anita e o senhor Paulino (os avós-inspiração com que fui grandemente presenteada), uma vez que, além de amorosos e lindos, são cultos, bons conversadores e sábios até ao tutano. Não é difícil apaixonar-me pelos mais crescidos que vejo todos os domingos na minha igreja, as senhoras sempre tão cheirosas e arranjadas, os senhores, cavalheiros, tentando não vergar a coluna e escoltando as suas esposas. Mas (sabe Deus o quanto!) é difícil amar os velhotes incómodos, reclamadores de todas as desgraças e mais algumas, que cospem no chão e investem as bengalas contra os transeuntes (vulgo, eu) vezes sem conta; ou as velhotas que olham reprovadoramente por cima dos óculos, mestras da chico-espertice de desrespeitar as filas sorrindo, para, uma vez viradas as costas, praguejarem contra “esta juventude”.

Sabendo Deus que tenho vindo a debater-me com estes pensamentos desde o início da semana, pôs-me a ler o livro “Às dez a porta fecha”, da Alice Vieira, que é, nada mais nada menos, sobre velhinhos. Uma história deliciosa que me faz procurar as coisas lindas em todos os velhinhos, não só naqueles que me são próximos. Eis o meu capítulo preferido até agora, o décimo sétimo. Para desfrutar (:


" Acordara maldiposta nessa manhã. Nada de especial, apenas uma noite cheia de sonhos que logo esqueceu, mas a deixaram cansada mal abriu os olhos.
Quando ainda andava no liceu acontecia-lhe muito isso. Quando acordava de repente, mesmo em cima da hora de se levantar, sem tempo para ficar no quentinho da cama, entre o sono e o despertar, pensando no dia que se estendia à sua frente, a cabeça doía-lhe, assim como se não tivesse descansado o tempo suficiente. Um dia falara nisso à Odete, que suspirou e disse:
- Isso passa-te quando arranjares um namorado.
A Odete só pensava em namorados. E suspirava muito por tudo e por nada, sobretudo por nada, que é sempre a razão mais forte para as pessoas suspirarem. Sentava-se muito direita na carteira, e suspirava. As carteiras eram de madeira muito escura e estavam cheias de inscrições de muitas
outras que, durante anos a fio, por lá tinham passado, quem sabe se também a suspirar como a Odete. Coraçõezinhos atravessados por setas, números de telefone, quadras de pé quebrado e rima desajeitada, particípios passados de verbos ingleses, fórmulas de química e, evidentemente, os nomes daqueles por quem, em cada semana, elas morriam de amor.
Lembra-se que um dia a Adélia colara na carteira duas fotografias do Antero, e fora o fim do mundo.
- Quem é esse homem, menina n.º 1? – perguntava a reitora, ali chamada de urgência pela Dona Celeste.
- Isto… isto… isto não é nenhum homem… - gaguejava a Adélia.
- Ora essa! Se calhar é uma mulher, não? – gritava a reitora, os olhos esbugalhados sobre a cara do Antero, que lhe sorria da fotografia, com aquele ar apalermado que Deus lhe dera, e de que a Adélia e a mãe tanto gostavam.
- Não é isso… é que… é que…
- “É que… é que…”, desembuche, menina, até parece um disco rachado!
- Aquele é o Antero – disse, por fim, a Adélia.
A reitora inclinou-se mais sobre as fotografias, o sorriso do Antero cada vez mais palerma, mirou e remirou e disse:
- Não me queira tomar por parva, menina n.º 1! O Antero de Quental tinha barba, olhar nobre e austero…
A reitora era conhecida pelos grandes discursos que fazia, fosse em que ocasião fosse. Por isso, para lhe cortar a inflamação oratória que ameaçava despontar perigosamente, a Doninha disse:
- O Antero de Quental talvez. Mas esse é o Antero da Adélia. É o namorado dela.
Foi como se de repente um raio tivesse caído naquela sala.
- Namorado?! Mas qual namorado?! Vocês têm lá idade para namorar! Saio daqui e vou já telefonar à sua mãe a contar tudo. TUDO! A pobre senhora descansada em casa, e a menina a encontrar-se às escondidas com esse… com esse… com esse indivíduo de ar mais que suspeito!
Ainda hoje a Dona Madalena sorri quando pensa nisso, e no riso de todas nessa altura – menos da Lucília, que conseguia sempre ouvir tudo com o ar mais sério e tranquilo deste mundo, assim como se fosse apenas espectadora de um filme que nem sequer a interessava por aí além.
- A minha mãe sabe – murmurou a Adélia.
- Ela vai casar com ele assim que acabar o quinto ano – disse a Doninha.
- Ele vem buscá-la todos os dias ao liceu – disse a Odete, que só pensava em poder arranjar um namorado igual àquele.
Ou igual a outro qualquer.
Mas tinham sido emoções a mais: a reitora deu meia volta e, sem discursos, saiu da sala. A Dona Celeste queixou-se então de súbitas enxaquecas (ela dizia sempre “cefaleias”), e disse que não estava boa para dar aula de substituição, e a Adélia olhava para a carteira, sem saber o que fazer às fotografias do Antero.
Dona Madalena sorri sempre que se recorda desta história. Um dia tem a certeza que a Adélia e o Antero irão visitá-la à Casa da Chaminé, rodeados de filhos e netos.
Isto, evidentemente, se a Adélia tiver casado com o Antero."

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Se eu fosse a J. K. Rowling (ou, Esta madrugada escrevi assim (10))

Aquele-cujo-nome-não-deve-ser-pronunciado fez aquilo-sobre-o-qual-não-se-deve-divagar no dia-que-não-deve-ser-mencionado; tal teve um efeito-que-não-deve-ser-descrito-nem-quantificado e por isso encontro-me num estado-que-não-devia-ser-permitido-percepcionar.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Presentear.

As voltas dadas dentro da cabeça são inúmeras: o quê? De que forma? Com que palavras? Passam-se horas quase infinitas neste deambular de pensamentos, sendo isto propício ao descontrolo, uma vez que as melhores ideias só surgem quando me recosto no leito para dormir. De tanto magicar, o coração agita-se mais do que devia e só uma coisa subsiste: a tremenda vontade de pular da cama e colocar tudo em prática, já!

Inusitadamente, a pergunta instala-se: para quê tudo isto? Há uma obrigação subjacente ao dia? Há um complexo de culpa que me impele ao gasto dos tostões? Será, por sua vez, uma necessidade de reciprocidade como tantas vezes estudei? (não fossem isto retóricas e teriam uma resposta assertivamente negativa.)

Isto tudo passará, é um facto; mas só depois de nós passarmos também. Enquanto vivermos neste corpo, o júbilo da celebração tomará conta do nosso pensamento, e a premência de presentear terá o seu fundamento nisso mesmo: no gozo que é lembrar que, além de caminharmos lado a lado, caminhamos com Jesus à frente, que é a única caminhada que vale a pena.

(Minha querida Meg, parabéns. De todo o coração )

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Consciência

Subitamente o tempo voa, urge!
As saudades antecipam-se,
Os olhos marejados adiantam-se,
O coração bate descompassado, sentido a falta do que ainda está aqui…

Tanto que ainda não vi, não li, não visitei, não ouvi, não conheci.
Embrulhe tudo por favor, é para levar; já cá devia ter vindo ontem!...

Um aperto, uma lágrima, e canções saudosistas.
A roda da vida voltou a rodar.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Salmos 63:1-8

Oh Deus, Tu és o meu Deus, de madrugada Te buscarei. A minha alma tem sede de Ti, a minha carne Te deseja muito em uma terra seca e cansada, onde não há água, para ver a Tua força e a Tua glória, como Te vi no santuário. Porque a Tua benignidade é melhor do que a vida, os meus lábios Te louvarão. Assim eu Te bendirei enquanto viver; em Teu nome levantarei as minhas mãos. A minha alma se fartará, como de tutano e de gordura; e a minha boca Te louvará com alegres lábios, quando me lembrar de Ti na minha cama, e meditar em Ti nas vigílias da noite. Porque Tu tens sido o meu auxílio; então, à sombra das Tuas asas me regozijarei. A minha alma Te segue de perto; a Tua destra me sustenta.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Ventania.

Não sou capaz de desviar os olhos de Ti.
Mesmo quando caio, falho, me entorto, corto caminho.
Não consigo tirar os meus olhos de Ti, desde o dia em que Te coroei Senhor de mim.
Não sou nem quero ser capaz de o fazer.
Olhar para Ti, correr para Ti, é a coisa mais maravilhosa, bonita e válida que faço a cada dia; (e isso implica ver cada vez melhor a quantidade infindável das minhas coisas feias, que nada se coadunam Contigo).
Não sou capaz de desviar os olhos de Ti.
Não sou capaz de desviar os pensamentos de Ti.
(mas Tu já o sabias, não é? Tu sabes tudo.)
Ao som de: clicar aqui

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Constantes.

Não sei explicar muito bem porque é que sinto que a citação e a música abaixo apresentadas combinam lindamente uma com a outra. Liberdade combina com auto-domínio, êxtase combina com paciência, “mera água-com-açúcar” combina com “puro mel”, e tudo isto faz parte do que em mim marina neste início de ano.


“A felicidade que Deus designa para as suas criaturas superiores é a felicidade de serem unidas livre e voluntariamente com Ele e umas com as outras num êxtase de amor e prazer, que faz o amor mais arrebatador entre um homem e uma mulher parecer mera água-com-açúcar. E, para tanto, eles têm de ser livres”. (C. S. Lewis)



Eu não seria a mesma sem as minhas dicotomias, certamente.