Mas afinal, o “que será que será?”
“O que não tem certeza nem nunca terá
No que a escrever pela madrugada concerne, às vezes “tenho medo do que será de mim”.
“Esse sonho me acontecia muitas vezes, mas não com tantos miúdos a correrem pela PraiaDoBispo sem os fios dos papagaios a prenderem uns nos outros – como os nós malucos na rede do camarada VelhoPescador –, nem tanto vento eu nunca tinha visto assim a fazer calemas no mar dali tão calmo, só que ao sonhar eu não sabia que era um sonho, a minha respiração estava depressada de eu ficar aflito a ver o largo da bomba de gasolina com uma multidão de crianças que eu queria saber quem eram, estavam os da PraiaDoBispo e também os do BairroAzul, outros da escola e até alguns adultos, a TiaAdelaide a rir, o camarada VendedorDeGasolina a correr com um papagaio vermelho e amarelo, até o TioRui que era escritor passava numa bicicleta que tinha uns bigodes desenhados e ele fazia as duas coisas, conduzia a bina e dominava o papagaio – que bicicleta bonita! –, o SenhorTuarles tinha uma caneca de cerveja na mão e com a outra fazia o papagaio dar reviengas de esquindiva no vento, até o CamaradaBotardov ria e corria, “dona Nhé, papagái leva notícia na tão-longe”, mas o que nunca mesmo me tinha acontecido naquele sonho de carnaval e risos também, era ver tantas cores movimentadas numa dança de ventos voados e o céu cheio de mil verdes, amarelos, laranjas e vermelhos com o azul por trás, o céu a imitar uns pássaros que fossem o corpo vivo disso que chamam arco-íris.
- Estavas a sonhar, filho?
- Ai, Avó, não me acordavas só, eu estava a sonhar bué de arcos-íris.
- Oh, meu querido – ela me limpou a cara – estavas com a respiração tão alterada, todo suado, tive medo que fosse uma crise de asma.
- Era uma asma colorida, Avó… O nosso céu da PraiaDoBispo com cores que eu nem sei te explicar.
- O mesmo sonho, então.
- Mas com “propriedades de multiplicação”, como dizem na minha escola.
- Tá na hora de acordar, de qualquer modo. Vens comigo ao cemitério?
- Sim. Vais falar com o AvôMbinha?
- Não dá para falar, filho. É só estar um bocadinho. Às vezes a pessoa vai ao cemitério para falar sozinha.
- O EspumaDoMar fala sozinho sem ir ao cemitério. (…)” (*)
“Acho que as lembranças são cócegas invisíveis que ficam dentro das pessoas. Eu quando me lembro dessas coisas começo a rir sozinho até o 3,14 me perguntar se eu sou maluco de rir tantas vezes sozinho.
- É que eu fico a lembrar as coisas.
- Mas ainda não és mais-velho, não podes ter muita coisa para lembrar.
- É que já me contaram muitas coisas de antigamente. E eu fico a rir de coisas antigas, Pi.
- As coisas antigas não têm muita graça de rir.
- Depende, Pi. Depende.” (*)