quinta-feira, 19 de junho de 2008

Há dias assim .


Era dia onze e presenciava-se o fim da tarde, o sol despedia-se suave e alaranjadamente. Ao longe, uma multidão. Cada um que por ali passasse sentia-se tremendamente atraído pela curiosidade e reunia-se aos que já lá estavam. O número de pessoas que se preparavam para assistir ao espectáculo multiplicava-se e fazia-se ouvir convidativamente. Os vestidos das meninas e senhoras esvoaçavam timidamente, os chapéus dos senhores ora eram mantidos na cabeça, ora eram descansados por debaixo do seu braço, costumadamente encasacado. Não havia melhor altura para se viajar até antigas épocas do que esta, tão tradicionalmente favorita desta cidade.

Eles, porém, não se chegaram à multidão, não atenderam ao seu convite. Permaneceram no cume do mais alto monte, verde e radiante, de unidas mãos. Não eram apenas as mãos que se uniam, mas também os olhos, numa conjugação de empatias tal, visível a olho nu. E não só os olhos, mas todos os outros sentidos, pelos mesmos inebriantes cheiros, o mesmo burburinho agradável, os mesmos afinados acordes, o mesmo sabor tão sabido desse que é o algodão doce. Ainda, mais que os unidos sentidos, também estavam agregados os seus corações. Com os movimentos do miocárdio sincronizados, com o mesmo ritmo de sangue bombeado, ruborizando ambas as faces na mesma medida. Tudo neles era mútuo.

E nos cérebros, os neurónios associavam esforços para construírem as mais bonitas confissões de amor, nunca antes vistas, nunca antes ditas, nunca por ninguém partilhadas, únicas como só os seus ensejos eram. E quando, mutuamente, se voltaram um para o outro, e os olhos até então unidos na mesma visão se encontraram, deixaram-se repousar no outro par que os fitava, deliciando-se, não só, com as declarações que daqueles globos oculares saiam, mas também com a eternidade que eles reflectiam. E eis que, dos olhos dele, cai uma grossa gota de água, uma lágrima contidamente carregada de expressões e carícias e beijos e singela honestidade. Cai, e caminharia pela sua face, não fosse a mão dela evitar-lhe a queda, colhendo-a e guardando-a nos seus poros.

Lá em baixo, a multidão deixava-se levar pelos instrumentistas presentes no palco, que a conduziam a lugares maravilhosos e inesperados. Tal e qual como os teus olhos me conduzem a mim.



P.S. Tirei-a a caminho de onde já se sabe.

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