terça-feira, 9 de setembro de 2008

Remédio santo

Naquele dia o Anacleto acordou com náuseas. Não havia uma justificação plausível (ou melhor, não estou com vontade de enveredar por esse lado da história), o Anacleto acordara extremamente mal disposto e a única coisa que desejava era a cura para os seus males. A mãe fez-lhe o seu chá milagroso e não resultou. A avó massajou-lhe o couro cabeludo e de nada serviu. O pai sugeriu um remédio-cura-qualquer-maleita que pouco ou nada adiantou. A tia veio visitá-lo (por coincidência, claro está) e o pobre Anacleto permanecia cheio daquele mal-estar que não passava com coisa nenhuma.

Entretanto a Isabelinha continuava a tentar resolver aquele exercício de gramática que a professora de alemão tinha escolhido exclusivamente para ela. Sim, ela sabia que era a aluna preferida; não reconhecer tal facto era tapar o sol com a peneira e, mal por mal, preferia aceitar a revolta do resto da turma concordando com a injustiça de tratamento que a dita professora oferecia. Que culpa tinha ela de ter caído nas boas graças da senhora? Dava voltas e voltas mas não havia maneira de perceber como se resolvia tal exercício. Ela até desconfiava que era matéria adiantada, mas não se atreveu a contestar o brilho dos olhos da professora ao afirmar, perante a turma inteira, assustadoramente convicta, “a Isabelinha faz isto em cinco minutos!”. Naquela folha estava mais que um teste às capacidades da menina Isabelinha, mais que exercícios de gramática deslocados… estava a expectativa toda da senhora professora, posta a prova, em cada espaço para completar.

O Justino já tinha o nome gasto pela governanta da casa. Nunca tinha gostado dela, desde pequenino que ela despertava nele um pavor inexplicável. À medida que os anos foram passando o pavor metamorfoseou-se em rebeldia, aliou-se ao seu feitio traquina e gerou uma rixa que dura até ao momento em que escrevo. O Justino contra a governanta, o primeiro espalhando o caos pelo casarão, a segunda perseguindo-o até à exaustão, sem sinais de fadiga, apesar das inúmeras tentativas falhadas. Hoje, porém, a governanta levou a melhor e apanhou o traquina num momento de despreocupado descanso, após ter desordenado as toalhas e guardanapos do almoço. É certo que este delito era de menor grau, mas a senhora governanta já não apanhava o Justino havia três dias, o que lhe valeu um tratamento que, se aplicado no século XXI, concederia à senhora governanta uma reprimenda pública, uma multa e exclusão social por maus tratos a menores.

Por volta das dezassete horas e vinte e três minutos o Justino conseguiu escapulir-se do castigo para a casa da Isabelinha, onde brincou com ela e a fez esquecer-se da pressão que a professora de alemão exercia sobre ela. Perto da hora do jantar resolveu voltar para casa e pedir desculpa à governanta (em tempo de fome esquecem-se as rixas), não sem antes informar a Isabelinha que o Anacleto estava mais adiantado no que concernia ao alemão. O Anacleto, após terminar de falar com a Isabelinha (ela precisava de uma ajuda naquilo que ele considerou ser um exercício básico!), apercebeu-se de que as náuseas que o tinham acompanhado o dia inteiro se tinham dissolvido com o sopro quente da voz dela a viajar pelo auscultador.

E não pode deixar de se deitar a pensar no poder que o seu doce timbre possuía, que fazia coisas que o chá imbatível da mãe, a massagem perfeita da avó e o remédio-cura-qualquer-maleita do pai não conseguiam.

Um beijinho*

2 comentários:

Anónimo disse...

que lindo.
O anecleto, a isabelinha e o justino davam mais contos engraçados.Sim tu fizeste um conto!! Amora uma vénia**

Anónimo disse...

entraste cá na fac? :) beijinho*