sábado, 27 de dezembro de 2008

Feliz Natal




Deambulo pela casa sem destino aparente. Esta não é a minha, não é o meu ninho aconchegante e de recantos conhecidos, não é o abrigo de refúgios mil. É sim, casa de família, onde tantas vezes partilhei risos e histórias, frio e também calor, a casa em que me reúno com aqueles que vejo poucas vezes por ano, símbolo de reencontro e novas páginas no livro da minha existência.

Por esta hora a festa encaminha-se para o final. Acabou-se o almoço e aquecem-se as últimas doses para o jantar dos mais novos, já que os mais velhos não necessitam de mais sustento para o seu farto estômago. Os resistentes ao vinho e às gasosas conversam à volta da mesa, mantendo quentes as gargantas transbordantes de gargalhadas e opiniões. Os mais cansados aninham-se com uma manta sobre os joelhos nos sofás da sala. As crianças, fascinadas com as altamente tecnológicas prendas, brincam em pequenos grupos espalhados pela casa, elegendo os locais mais quentes e aprazíveis para as suas brincadeiras. As senhoras, sem excepção, já se encarregaram de lavar a enorme quantidade de loiça suja, organizá-la e arrumá-la nos devidos lugares, e improvisam o espaço do jantar num dos cantos da comprida mesa, com os pratos, copos e talheres mais antigos, já que os pequenos não usam de cerimónias desnecessárias, como os crescidos.

Nesta sala, ocupada pela mesa grande e pela família inteira, houve tudo. Houve fartura em tempo de crise, houve consoada e almoço de natal, houve troca de prendas, embrulhos que num momento eram bonitos e noutro já eram retalhos dissolvidos pelo chão, houve abraços e beijos, houve conversas sérias e informais, houve a velha constatação de que “há coisas que nunca mudam”, houve família e houve (como também não podia deixar de ser) saudades daqueles que não se encontram geograficamente próximos, houve paz, houve até alguma embriaguez e excesso, houve frio a entrar pela porta que se abria de quando em vez para mais um de nós ser acolhido nesta festa. Só não houve Jesus. Nem sequer no noticiário, tampouco nas publicidades que inundam a televisão. Apenas num breve rasgo de presença divina, dos lábios da mais pequenina da casa, repetido (aquilo que me parece estar próximo das bíblicas) sete vezes “É Natal. Jesus nasceu”; apenas dessa vez houve Jesus e, mesmo aí, cabeça alguma se virou para escutar tais palavras.

É daí que decido deambular, ainda que aparentemente, revivendo a festa e observando as sobras desta. Dois dias de Natal e cinco minutos de Jesus, escapulidos dos lábios de uma pequenina. Termino o meu passeio no sofá, onde, embalada pelas vozes possantes e envolventes, declino a cabeça sobre o braço almofadado e deixo o espírito escorregar para um sono apetecido. O tom das conversas passa de firme a enevoado, as gargalhadas distanciam-se dos meus ouvidos, tal como as luzes dos candeeiros dos meus olhos. Deixo-me ir nesse balanço bom, com a família a encher a sala e Jesus a encher o peito, esperando que Ele não esteja tão triste como sei que Se sente; esperando o Seu perdão para nós, para mim. (principalmente para mim)

Natal? O meu foi bom. Espero que o vosso tenha sido feliz.

Um beijinho*


P.S. Tirei a fotografia no momento das deambulações, é da cozinha desta casa querida.

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