APONTAMENTO
A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali.
Álvaro de Campos, 1929
"Não se pode dissecar a alma de um poema"
(Senhor que foi à minha escola recitar poemas de Fernando Pessoa)
Beijinho
2 comentários:
GRrrrrr..
Estás a falar do homemzinho diabolico que estava a recitar poemas no centro de recursos ao mesmo tempo que eu tentava estudar para Matematica? -.-'
Enfim, Fernando pessoa é um homem notavel, pena é eu começar a ficar farta dele por via das aulas de portugues, mas ele até escreve umas coisas giras (mto do giras). :)
bjs
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ai mana..tu nao sabes como eu sou absurdamente louca por Fernando Pessoa, mas curiosamente, só por Álvaro de Campo..e acreditas que tinha um livro de poemas unicamente dele e que o perdi?? Coisa horrivel, seu sei -.-', mas nao posso contrariar a minha natureza de perder sistemáticamente tudo, pois não?!?
Mana..amu.te***
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