terça-feira, 8 de julho de 2008

A derrota é como uma lente, ou como uns óculos graduados à medida...



Ouço o silêncio a rodear-me. Só o ramram da ventoinha e as teclas nos dedos é que ainda não pararam de se fazer ouvir. Sim, também o vento nas folhas e o canto nos pássaros se mantém audível, maravilhosamente audível. Mas aqui, sentada nesta cadeira com a luz da manhã, quase tarde, a entrar pela sala inteira, o silêncio rodeia-me, como um abraço longo, dizendo-me que oiça. Simplesmente.

Coloco-me, portanto, à escuta. A campainha. Não vou abrir. O autocarro. Não o vou apanhar. Vozes que ecoam no meu crânio, que falam de amor, de amigos, de planos, de sentidos, de direcções, de decisões, de ainda mais amor, falam, nunca se calam. Por enquanto, não lhes presto atenção. O silêncio continua instaurado, incita ao ouvido mais apurado. Então, escuto mais; ouço A voz.

(suspiro)

É A voz que me diz que nada do que eu penso estar correcto está correcto (quanta redundância), que me informa que mais vale deixar de lutar pelas minhas vontades e pressupostos alvos porque, a não ser que também Ele queira, nada se concretizará. É A voz, dizendo sempre o mesmo que eu nunca aprendo. Que a derrota é como uma lente, ou como uns óculos graduados à medida, que corrige a miopia dos meus planos pequenos e me faz olhar para cima, para novos horizontes, novos caminhos, novas pontes. É a derrota que me fecha a janela que eu queria trepar a todo o custo e abre a passagem secreta, que por acaso também é uma porta, para que eu vá pelo meu caminho. É verdade, disse-mo O que tudo sabe. Que esta derrota serve para apreender o verdadeiro preço, e para aprender a ver o verdadeiro alvo. E que, mais que tudo, ela alberga uma vitória, mesmo quando disso não se espera.

Os passos no corredor quebraram o abraço do silêncio, ou talvez ele próprio mostrou vontade de retirar de mim os seus braços, do seu abraço. Volto a ouvir o mundo inteiro, e apenas um pouquinho de silêncio, o suficiente para não me esquecer do que aprendi nele. Nessa derrota começou uma nova luta, que não se trava, com certeza, sentada impavidamente serena, numa cadeira.



P.S. Tirei a fotografia numa bela manhã de praia. Gosto tanto de olhar o céu assim, azul até ao fim, pintado de nuvens brancas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Á derrotas são dificies.
tu sabes que eu sei
eu sei que tu sabes.
E então? Ele abraça-nos sempre, dá-nos força e esperança e indica-nos o caminho. É assim. O Conforto.

Uma vénia.o texto está muito bonito. Obrigada por tudo.